Jornal AÇÃO
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Jan-Fev/2015
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CARTA DO PRESIDENTE
Se a pessoa gritaque é contra o voto deMinerva, verifique
se, ao revisar o Estatuto da entidade da qual fez parte, ela
propôs a extinção desse voto ou se, ao contrário, o incluiu ou
manteve nas normas da organização.
Se a pessoa diz que é contra o pagamento de bônus na
Previ, procure saber se quando ela era dirigente foi capaz de
abrir mão de PLR em entidade que não visa ao lucro ou se,
mesmo sendo expressamente vedado em seu contrato de
cessão, recebeu PLR por anos a fio.
Se a pessoa fala que é contra o aparelhamento das institui-
ções, informe-seseelafoi capazdeproporefazeraprovarnorma
contraonepotismo ou se, ao contrário, nomeouumaporçãode
amigos para cargos importantes ou, pior, se foi sócia de presta-
dores de serviçoàentidadeou foi conivente comessaprática.
Se a pessoa defende o respeito à governança corporativa,
investigue se ela alguma vez se ausentou de reuniões ape-
nas para não dar quórum e evitar a deliberação sobre um
assunto que lhe incomodava ou se impediu a posse de su-
plentes prevista nos Estatutos da entidade.
Se a pessoa acusa alguém de ser ligado a alguma cor-
rente política, verifique primeiro se o acusador nunca andou
junto com a corrente que agora critica; depois, constate se a
pessoa acusada foi capaz ou não de ter alguma atitude que
contrariasse a visão ou os interesses da corrente à qual é
acusada de ser submissa.
Estes são apenas alguns exemplos de como pode ser fei-
to um esforço para não se conformar com a percepção de
que todos são iguais. Em outras palavras, não acredite em
ninguém apenas por simpatia ou primeiras impressões. Não
caia na tentação de igualar todos. Amanhã, poderão fazer
isso com você.
Procure conhecer a realidade como ela é. Mais do que em
discursos, acredite em fatos e documentos. Tenha a dúvida
sempre presente. Não a dúvida que paralisa, mas a dúvida
investigativa, que busca conhecer a verdade dos fatos. Com-
pareahistória concretade cadapessoaede cada instituição.
Tentar fazer você acreditar que todos são iguais, às ve-
zes, é uma estratégia paramantê-lo anestesiado, distante do
legítimo exercício do poder. Quando falo do exercício do po-
der, falo do voto consciente e da possibilidade de você, leitor,
colocar-se como candidato a cargos em entidades que têm
como missão representá-lo.
A pior coisa que cada um de nós pode fazer contra nos-
sos mais legítimos interesses é lavar as mãos e ficar fora
do processo. Como já dizia Platão na obra
A República
:
“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de
política, simplesmente serão governados por aqueles que
gostam”. Boa leitura a todos!
Vivemos uma era emque dois fenômenos sãomarcan-
tes. O primeiro deles é a descrença nas instituições e em
seus dirigentes. Isso vale para governos, partidos políticos,
religiões, associações, escolas. Até a estrutura familiar so-
fre abalos. Essa falta do sentimento de pertencimento às
instituições em geral tem sido abordada por pensadores
respeitados de várias partes do mundo. Um deles é Zyg-
munt Bauman, que criou a expressão “modernidade líqui-
da” e já escreveu mais de 40 livros sobre o assunto.
Osegundoéaexpansãoeousoda internet como forma
deacessoà informaçãoemeioparaexpressãodeopiniões,
especialmente nas redes sociais. Como oportunidade iné-
dita de comunicação entre as pessoas, a internet tem um
lado muito positivo, pois contribui para democratizar o co-
nhecimento e dar voz a quemantes ficavamais calado.
Entretanto, ela também tem um lado preocupante.
Com uma infinidade de informações disponíveis median-
te um clique no computador, as pessoas perderam a pa-
ciência para ler textos mais longos e mais profundos e,
frequentemente, têm formado opinião apenas pelas man-
chetes. Quando alguém exprime uma opinião categórica
sobre um assunto, não é raro se constatar a falta de fun-
damentos e a inconsistência no que é dito. Além disso, a
facilidade para expressar opiniões na internet tem gerado
a emissão de juízos apressados, intolerantes e agressivos.
Muitas vezes, com alta dose de superficialidade e erros
grosseiros de redação.
Em um cenário como esse de descrença nas institui-
ções e de facilidade para emitir opiniões superficiais, a
“terceirização da culpa” é muito comum: tudo que está er-
rado é o outro que faz; a corrupção só existe no grupo dos
outros; gestão errada é aquela da qual eu não faço parte.
O leitor sério fica perdido. Não raro, ele lê textos de cor-
rentes antagônicas e não sabe emquemacreditar. Ou che-
gaàconclusãodequeé tudo“farinhadomesmosaco”, que
todos distorcem a verdade. E é neste ponto que eu quero
chegar. A pior coisa que pode nos ocorrer é a falta de espe-
rança, a desistência de participar do esforço de construção
de ummundomelhor. Mas como separar o joio do trigo?
Uma das formas de fazer isso é desconfiar de todos,
inclusive do autor deste texto. Não no sentido de desacre-
ditar e abandonar a leitura, mas no sentido de checar se o
que a pessoa escreve oudiz é coerente comsuas atitudes.
Vou dar alguns exemplos.
Se a pessoa diz que é a favor da pluralidade, procure
saber se quando ela esteve no poder usoua entidade para
dar espaço a todas as chapas que participaram de elei-
ções ou se privilegiou o grupo do qual fazia parte.
DESCONFIE DE MIM
Sergio Riede – Presidente da ANABB